ANTROPOSOFIA E PROCESSOS FARMACÊUTICOS
Gostaria
de agradecer ao convite para discorrer sobre o tema Antroposofia e seus
medicamentos. Para isso,
iniciarei explicando algo sobre esse têrmo Antroposofia, e em seguida
tecer algumas considerações sobre a concepção dos medicamentos e sua
elaboração prática.
Os seres humanos da Antiguidade, bem como aqueles que ainda hoje
vivem em um estado de pureza e inocência, distantes da assim chamada
civilização, vivendo em aldeias indígenas, mantém uma relação tão
íntima com a Natureza, a ponto de reconhecerem de maneira imediata
plantas e substâncias terapêuticas.
Existem muitos exemplos que ilustram o fato de que animais
doentes procuram plantas capazes de curá-los de suas doenças.
Assim, por exemplo, o cachorro com diarréia amebiana vivendo na
região do Mato Grosso desenterra raízes de Ipecacuanha, os carneiros
na região Andina ingerem folhas de boldo em distúrbios hepáticos. Se
não quisermos aceitar tais argumentos, deveremos levar em consideração
que cães e gatos acometidos de diarréia ingerem folhas de capim sem
terem aprendido algo a esse respeito.
A experiência das Forças da Natureza que configuram tal árvore,
que plasmam um determinado arbusto, todas essas faculdades que permitiam
que o ser humano pudesse reconhecer o poder configurativo e plasmador
desta ou daquela planta, tudo isso, foi sendo perdido no decorrer dos séculos.
A Homeopatia resgatou a utilização de tais forças que plasmam
a vida, o vivo, utilizando uma técnica farmacêutica capaz de emancipar
a atividade terapêutica existente naquela planta, naquela substância,
dirigindo essa FORÇA DE VIDA ao paciente através de medicamentos.
O próprio Hahnemann, criador da Homeopatia, considera tais forças
que plasmam a natureza, capazes de levar a cura, como sendo de natureza Espiritual.
Hahnemann menciona que as Forças contidas em tais medicamentos são
de NATUREZA ESPIRITUAL – e esse termo é encontrado MUITAS e MUITAS
vezes no livro Organon da Arte de Curar.
A humanidade foi perdendo sua ligação com a natureza, e seu
acesso a tais forças de vida. A
Antroposofia pretende RESGATAR o conhecimento de tais FORÇAS que na
antigüidade eram reconhecidas de maneira instintiva e sonhativa.
Tais forças deverão se tornar não apenas totalmente
CONSCIENTES, mas deverão fazer parte integrante de uma ciência capaz
de relacionar o mundo ligado aos fenômenos e às substâncias com
aquele âmbito das Forças configurativas que plasmam e configuram os
seres vivos.
O conhecimento de tais Forças terapêuticas que são se natureza
Espiritual é o objeto de uma CIÊNCIA ESPIRITUAL.
A Antroposofia não pretende ser uma DOUTRINA ligada a uma vivência
subjetiva de tais forças, mas uma CIÊNCIA capaz de examiná-las e
utilizá-las no auxílio aos seres humanos, animais e plantas que estão
doentes.
Além disso, a Ciência Espiritual Antroposófica pretende
resgatar as faculdades morais plenas de reverência, criatividade e amor
que estão presentes em estado latente em cada pessoa, permitindo que
novas virtudes humanas possam aflorar em cada ser humano. Existem
várias atividades práticas decorrentes da Ciência Espiritual Antroposófica.
Na PEDAGOGIA WALDORF o enfoque é para um tipo de aprendizado que
possibilita o aluno não apenas passar no vestibular, mas que o estudo
seja um aprendizado para toda a vida resgatando os valores culturais
humanos. A AGRICULTURA
BIODINÂMICA coloca na prática agrícola aquilo que a Ciência
Espritual Antroposófica pode oferecer como auxílio a um cultivo que
pretende humanizar a terra, a atividade agrícola permitindo o ser
humano possa também participar de um processos de crescimento interior
à medida em que realiza uma atividade ecológica.
A Farmácia Antroposófica nos traz a oportunidade de transformar
as substâncias existentes nos reinos da Natureza em elaborações terapêuticas
capazes de auxiliar a Terra, os seres vivos e o Homem.
Em relação à FARMÁCIA ANTROPOSÓFICA, poderíamos dar um
exemplo sobre uma possibilidade de termos acesso às
Forças que PLASMAM os seres vivos.
Tomemos como exemplo um experimento que consiste em deixar secar
uma solução concentrada de Cloreto de Cobre em presença de plantas e
órgãos. Esse experimento
(1) foi feito segundo o esquema abaixo:
(ClCu) – Fig.1
Tomamos 10 ml de solução de Cloreto de Cobre II a 10% e
colocamos em várias placas de Petri de fundo absolutamente plano.
Na primeira placa colocamos apenas 10 ml de CuCl2 a
10%.
Na segunda placa colocamos 10 ml de CuCl2 10% + uma
gota do suco do coração de um animal.
Na terceira placa colocamos 10 ml de CuCl2
10% + uma gota do suco de uma planta capaz de agir nesse órgão.
Na terceira placa colocamos 10 ml CuCl2 10% + uma gota
de suco de bile.
Na quarta placa colocamos 10 ml CuCl2 10% + uma gota
do suco de uma planta capaz de agir na vesícula biliar.
Na quinta placa colocamos 10 ml de CuCl2 10% + uma
gota de suco de rim.
Na sexta placa colocamos 10 ml de CuCl2 10% + uma gota
do suco de uma planta capaz de agir no rim.
Ao substituirmos o suco da planta fresca pelo princípio ativo, a
cristalização se assemelha à placa número 1 que mostra a estrutura
dos cristais do CuCl2 sem mais nada adicionado.
Assim como as forças magnéticas de um ímã orientam o pó de
Ferro numa determinada forma, as forças de vida do órgão e da planta
capaz de agir nesse órgão orientam os cristais do Cloreto de Cobre a
se configurarem em uma determinada estrutura. (2)
Fig.2 As
Forças configurativas do órgão são capazes de plasmar uma forma, de
orientar a cristalização do Cloreto de Cobre de uma determinada
maneira. As
Forças configurativas de uma planta que tem uma afinidade terapêutica
com um determinado órgão poderão orientar a cristalização do
Cloreto de Cobre segundo uma forma cristalográfica semelhante à
cristalização do próprio órgão. A
homeopatia reconhece a semelhança entre a doença e o medicamento através
dos sintomas. A
cristalização nos mostra que existe uma equivalência a nível das Forças
configurativas do órgão e da planta capaz de agir nesse órgão.
Deveremos agora dar mais um passo, ou seja, ir além dos sintomas
e também ir além da imagem cristalográfica da planta e do órgão,
pois apenas através dessas FORMAS não poderemos chegar a
conhecer a essência da planta, do órgão e da doença.
Como dar um passo além e reconhecer na PRÓPRIA PLANTA algo que
nos aponta para uma determinada ação terapêutica?
Como observar a ação terapêutica de uma planta na própria
planta? Como olhar para uma
planta e descobrir para que ela serve?
Observemos, por exemplo a Iris
germanica:
Íris germânica
Por mais que observemos essa planta, dificilmente iremos
encontrar nela algo que nos indique uma atividade terapêutica!
Ao colocarmos, porém, lado a lado diversas estruturas florais
das plantas da família da Iris, iremos notar que elas possuem diferentes características
de simetria e se dispõe no espaço de várias maneiras.
Ao organizarmos essas flores segundo uma orientação espacial,
iremos obter o seguinte quadro (3):
Metamorfose Floral de algumas Iridáceas
Fig 4 Ao
procurarmos por uma seqüência lógica na estrutura das flores
das Iridáceas iremos notar que na parte de cima
do desenho serão encontradas plantas que se configuram de
maneira SIMÉTRICA; na parte do centro, plantas totalmente harmônicas
onde o tamanho das pétalas é igual ao das sépalas.
Indo para as partes mais baixas do desenho notamos um gradual
processo de deformação e surgimento de uma ASSIMETRIA.
É importante notarmos que as plantas da parte superior promovem
sintomas de intoxicação com eliminação de líquidos, secura e
frieza, ou seja, essas plantas agem através de um processos denominado
na medicina Antroposófica de Neuro-Sensorial.
As plantas do centro agem como alimento ou perfume e as da parte
de baixo, tem ação metabólica, causando um predomínio do metabolismo
na região cefálica e isso tem relação com a enxaqueca e com os
processos metabólicos. Não
adianta observar uma planta isolada, pois tal contemplação não conduz
ao conhecimento de sua atividade terapêutica, mas ao colocarmos lado a
lado os vários representantes de uma determinada família, procurando
por uma seqüência lógica, iremos descobrir algo novo.
Através desse estudo podemos começar a entender a ação da Iris
versicolor em determinados tipos de enxaqueca e do
Sysirinchium em processos violentos de eliminação de líquidos.
Podemos agora fazer algumas perguntas de carácter farmacêutico
em relação a essas Iridáceas. A
primeira questão que surge é referente à elaboração dessas plantas.
Será que as tinturas de todas essas plantas deveriam ser feitas
da mesma maneira?
Os medicamentos elaborados com plantas dessa tabela que
apresentam simetria e que agem na região mais simétrica e organizada,
poderão ser elaboradas através de processos farmacêuticos ligados ao
FRIO, e aquelas com características assimétricas deverão ser
elaboradas através de processos ligados ao CALOR.
A Farmácia Antroposófica utiliza os seguintes processos
relacionados com Calor: Digestão:
37o.C
durante uma hora. Infusão:
Ferve e desliga o fogo. Decocção
É
o cozimento durante um certo tempo que varia conforme a planta. Destilação:
Consiste em extrair, através do calor, os princípios voláteis
isolando-os do restante da matéria prima, geralmente
de origem vegetal.
Existe ainda na Farmácia Antroposófica um método que consiste
em destilar os metais antes deles serem dinamizados. Torrefação:
A matéria prima é submetida a um processo de calor, porém não
suficiente para carbonizá-la. A
torrefação do café desenvolve aroma e sabor a essas sementes.
Muitos medicamentos Antroposóficos são elaborados através
desse processo. Carbonização:
A matéria prima de origem vegetal e animal é submetida a um intenso
processo de calor capaz de carbonizá-la. Podemos utilizar uma série de
carvões obtidos de tecidos vegetais ou animais na elaboração de
medicamentos. Incineração:
A
matéria prima é submetida a uma intensa ação do calor
transformando-se em cinza. A
adição de cinzas nas tinturas vegetais é conhecida desde a Antigüidade.
Os minerais que compõem a planta são restituídos à tintura.
Diante disso tudo, a planta situada na parte mais alta da tabela,
com ação de desvitalização, perda de água e frio deveria ser
elaborada sem a adição de processos de calor, e a planta com características
assimétricas, ligada aos processos metabólicos poderá ser elaborada
com processos de calor.
Existem plantas que tem uma ação dirigida ao âmbito
neuro-sensorial, ou seja, à mesma organização ligada à cabeça e aos
processos de desvitalização. Um
exemplo disso é o Acônito:
Aconitum napellus
O Aconito vive em regiões muito frias.
Durante o inverno a planta apresenta uma vida subterrânea que
consiste na formação de um rizoma bem característico rico em alcalóides
que diminuem a temperatura corporal, e o paciente vai perdendo a vida de
forma totalmente consciente e desperto.
Durante a primavera essa estrutura subterrânea brota produzindo
uma planta com folhas azuis.
A tintura do Aconito é extraída sem a utilização de processos
de calor.
A Belladonna vive em regiões mais quentes.
O aspecto da planta cheia de bagas de cor vermelho-violeta nos
mostra algo ligado ao calor que amadurece os frutos vermelhos.
A intoxicação causada por essa planta causa calor, inconsciência
e delírio, e a obtenção de sua tintura é realizada através de
processos de calor.
Atropa belladonna
Existem plantas que conciliam a ação dirigida aos nervos com a
atividade ligada ao metabolismo. Essas
plantas agem na área rítmica, e possuem geralmente glicosídeos cadiotônicos.
A extração da tintura dessas plantas é feita através de
processos brandos de calor como digestão, ou através de uma alternância
rítmica de calor e frio.
Digitalis purpurea Fig. 7
Até agora mencionamos os processos farmacêuticos de calor e
frio. Iremos a seguir
mencionar algo sobre outros processos.
Processos de Luz
Ao deixarmos uma batata no escuro durante algumas semanas vai
surgindo um talo branco, transparente com rudimentos de folhas.
Na escuridão a planta cresce em altura, ou seja, domina apenas o
processo CAULE, o PROCESSO DE CRESCIMENTO VERTICAL.
Quando uma batata é deixada debaixo de uma luz muito forte e
contínua durante algumas semanas, vão surgindo muitas folhas que
permanecem muito pequenas e verdes.
A luz promove o desenvolvimento das folhas, ou seja, domina
apenas o PROCESSO FOLHA, ou melhor, o PROCESSO DE CRESCIMENTO
HORIZONTAL. (4)
LUZ ®
HORIZONTAL
ESCURO
®
VERTICAL
Ao observarmos uma erva anual durante todo o seu desenvolvimento,
iremos notar que ela apresenta uma alternância rítmica de crescimento
vertical e horizontal.(5)
A relação claridade-escuridão pode ser vista de maneira artística
na seqüência de transformação foliar durante o desenvolvimento do
vegetal.
Porém essa relação artística e maravilhosa ligada ao ritmo
do desenvolvimento vegetal pode ser vista no MICRO-COSMOS através dos
processos de síntese clorofiliana que também ocorrem no claro e no
escuro. E os produtos
dessas reações são os HIDRATOS DE CARBONO que surgem como açucares
separados uns dos outros ou unidos como AMIDO, GOMA, MUCILAGEM, PECTINA
e LIGNINA.
Os processos de luz existentes no Micro e Macro-Cosmos podem ser
continuados através de Processos Farmacêuticos ligados à LUZ e às ações
da LUZ nas substâncias.
Uma série de estudos nos revelam que o Álcool ao agir como
conservante de medicamentos promove uma intenso processo de desvitalização.
Ao utilizarmos processos ligados com a LUZ e com a transformação
das substâncias ligadas com a luz, encontraremos uma substância
conservante obtida através da própria transformação daqueles
produtos da Fotossíntese presentes na própria planta.
Ao transformarmos os açúcares e amidos existentes no suco da
planta em ácido Lático, estaremos dando condições que esse próprio
suco seja submetido a transformações internas, capazes de permitir que
esse líquido possa se conservar e manter a vitalidade original.
Para isso, utilizamos a Fermentação Láctica do suco
vegetal realizada através de processos rítmicos de calor e luz.
Os açucares existentes na planta vão se transformando em Ácido
Lático que age como um conservante natural da planta.
C6(H2O)6
®
CH3
CH3 ½
½
H ¾
C ¾ OH
OH ¾ C ¾ H ½
½
COOH
COOH
D- Ác.Lático
L- Ác.Lático
Em ação da Luz encontra eco nos produtos da fermentação que
tem uma intensa relação com a luz polarizada desviando-a para a
Direita ou para a Esquerda.
Processos de Fluidez e Mobilidade
QUIMISMO
Tivemos ocasião de mencionar algo sobre a destilação dos
metais.
Aquela substância que durante milênios ficou estagnado como um
mineral terrestre sofre um processo de aquecimento, fusão, vaporização
e sublimação. Foi sendo
adicionado ao metal um processo de mobilidade.
Ao dinamizarmos as substâncias durante o estado de transição,
estaremos fixando aquele momento onde a substância se encontra em um
alto nível energético e em um estado totalmente dinâmico.
Um grande esforço no desenvolvimento de medicamentos
Antroposóficos está sendo dirigido na elaboração de
medicamentos capazes de conter em si de maneira harmônica os três
reinos da natureza, capazes de constituir uma unidade dinâmica.
Ao utilizarmos um órgão, um mineral e uma planta em uma união
dinâmica estaremos dirigindo as forças plasmadoras configurativas do
vegetal e do mineral ao próprio órgão.
O desenho abaixo mostra a concepção do medicamento feito com
articulação, Ácido fórmico natural e Cloreto de Estanho unidos em
uma estrutura de transição dinâmica.
É importante mencionarmos a
NECESSIDADE de estabelecermos PROCESSOS FARMACÊUTICOS que visam
complementar e enfatizar a ação de uma planta, de uma substância, ou
de dirigir um processo específico de cura àquele órgão ou aquele
quadro patológico.
É importante mencionarmos que quanto mais uma planta, um
mineral, ou um processo orgânico for estudado, tanto maior será a
possibilidade de criarmos novos processos farmacêuticos condizentes
com aquele processo terapêutico que estamos estudando.
Abre-se assim uma gama enorme de processos farmacêuticos que
visam complementar a ação das substâncias e atividades terapêuticas.
Participação humana
Desde os tempos antigos a manipulação dos medicamentos era
realizada como algo sagrado, sendo exigido daquele que elaborava preparações
um enorme respeito e uma responsabilidade não apenas seguindo o aspecto
humano, mas divino.
Dessa maneira o mundo FÍSICO de natureza material vai se unindo
ao METAFÍSICO que representa o
divino que existe em cada um de nós e à medida que o ser humano vai se
dedicando, se doando à elaboração de tais medicamentos, ele vai
simultaneamente dando um passo em sua evolução ética e moral.
O caminho de realização profissional vai se tornando
simultaneamente um caminho de transformação interior.
A Farmácia Antroposófica não se preocupa apenas com a
transformação e aperfeiçoamento dos métodos e processos farmacêuticos,
mas com a metamorfose do próprio ser humano que ao participar desse
trabalho vai se empenhando em transformar algo de si próprio, desejando
que algo dessa transformação também possa ter participação na
qualidade do medicamento e conseqüentemente no alívio dos pacientes,
inclusive na transformação moral dos seres humanos que estão doentes,
ou seja, numa fase de transformação e de evolução.
São Paulo, 13 de junho de 2002.
Flávio
Ernesto Milanese.
Bibliografia (1) Milanese, F.E. – Homeopatia Ampliada pela Antroposofia. Ed. particular – 1981. (2) Krüger, Hans - Kupferchlorid – Kristallisationen – Weleda-Verlag. Stuttgart 1950. (3) Milanese, F.E. – Iridáceas – Ed. particular – 1983. (4)
Goebel,
Th -
A Idéia da Planta como Organismo – Ed.particular sob forma de
apostila. (5)
Grohmann,
G. - A Planta VI – Ed. particular sob forma de apostila. (6) Milanese, Marilda e Flávio – Elementos, Éteres e Processos Farmacêuticos - Ed.particular sob forma de apostila.
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